Ausência da Alegria

(Joanna de Ângelis)


Afastando a pessoa da sua realidade, retirando-lhe a individualidade, o mergulho no grupo torna-a amar­ga, desinteressada de si mesma, sem objetivo, passan­do a agir conforme a maioria prefere, adquirindo aqui­lo que o consumismo informa ser o mais procurado, e nesse caso, o senso crítico esmaece e o humor se entor­pece, desaparecendo.


Passando a aceitar o que lhe é impingido pela pro­paganda, a sua capacidade de dizer basta desfalece enquanto afogado nas sucessivas e rápidas informações, e tem diminuído o aprofundamento nos conteúdos, re­tirando o prazer de conhecer, sendo conduzido à ilusó­ria sensação de estar a par de tudo o que acontece, as­sim perdendo-se na variedade das notícias.


Graças a esse procedimento aprende a gostar do que lhe é imposto de forma autoritária, tendo as emo­ções robotizadas, porqüanto o seu humor se expressa no riso em esgar ante o grotesco, o vulgar, sem o prazer de expressar a própria emoção de júbilo.


Qual ocorre com a representação televisiva, o riso da platéia — quase sempre selecionada e paga pela produção dos programas — é antinatural, decidido por alguém que sinaliza os momentos hábeis, desinteres­santes, sem sentido.


Na sociedade computadorizada, ser espontâneo é quase um sacrilégio, é uma aberração.


O humor torna-se cada vez mais chulo, agressivo, não traduzindo alegria, satisfação ou a hilaridade que libera enzimas proporcionadoras de saúde e auxiliares da imunização do organismo.


Evita-se sorrir ou tem-se medo de fazê-lo. Acredi­ta-se que não existem razões para a alegria e o senso de humor desaparece a pouco e pouco, substituído pela carantonha e pelo azedume.


A perda do senso de humor equivale ao desap are-cimento do sentido da vida, dos seus objetivos e meios de realização.


A conquista do significado existencial dá-se me­diante a aquisição da capacidade crítica, do discer­nimento ante a verdade, da coragem de ser-se au­têntico, que a vulgaridade destrói em razão das con­veniências e descaracterizações da pessoa como in­divíduo.


Conta-se que Dionísio, de Siracusa, na Sicilia, fora um rei autoritário e cruel, que se apresentava como poeta autoconfiante no valor das suas composições, face aos aplausos exuberantes que lhe concediam os baju­ladores.


Logo terminava um poema, lia-o para os admira­dores que, hipócritas, lhe exaltavam qualidades inexis­tentes.


Supervalorizando-se, e presunçoso, o rei mandou chamar Filoxeno, que era filósofo e poeta de caráter reto, sempre fiel à verdade.


O rei, diante dos fanáticos, leu para o convidado diversos poemas, e depois indagou-lhe a respeito da quali­dade dos mesmos.


Sem titubear, Fioxeno afirmou que os versos eram destituídos de valor, e que não justificavam o rei dedicar-se à sua elaboração, por faltar-lhe inspiração e destreza poética.


Diante dos falsos admiradores, que acompanhavam a audácia do homem crítico e verdadeiro, o rei, irado, mandou encarcerá-lo.


Passado um largo período, e desculpando-lhe a ofen­sa, graças a uma carta dos súditos, o rei mandou libertar o filósofo e trazê-lo à sua presença.


Como houvera composto um recente poema, ao qual atribuía significado literário e artístico, leu-o com emoção diante dele e da corte, e, ao concluí-lo, indagou ao recém-liberto o que achava.


Todos, na sala do trono, louvavam a métrica, o con­teúdo de rara beleza e a forma da composição.


Fioxeno, que permanecera em silêncio durante todo o tempo, acercou-se de dois guardas ali postados, e pe­diu-lhes:


— Voltem a encarcerar-me, porque o poema continua de má qualidade e o seu criador não possui dom poético.


Ante o estupor que tomou a todos, Dionisio, que tam­bém amava a coragem, embora contrariado, libertou o fi­lósofo que partiu em paz.


A livre expressão digna e a coragem de vivenciá-la são decorrências da capacidade de manter-se o senso cri­tico e de ter-se consciência do que se faz e se diz, definin­do o indivíduo livre e consciente.


O filósofo Bertrand Russell e o apóstolo Mohandas Gandhi, dentre muitos outros homens e mulheres admi­ráveis, foram encarcerados mais de uma vez, por expressarem a sua crítica ao sistema arbitrário sob o qual viviam e lutaram para mudá-lo, tornando-se exemplos honrosos para a humanidade.


A consciência do Si possui a nobreza de identificar a vida e a sua proposta, oferecendo alegria sem jaça na ex­periência humana. Apresenta facetas agradáveis e descon­certantes, que são selecionadas e, com bonomia, aceitas e vividas. Enseja a oportunidade de rir-se e de fruir-se o prazer que emula ao prosseguimento da existência.


Essa faculdade expressa o júbilo, o sentido de hu­mor, e permite que o indivíduo saudável ria até de si mes­mo, dos seus equívocos, sabendo dosar o sal que lhe élícito colocar nos acontecimentos cotidianos, para fazê­los apetecíveis.


Assim agindo, liberam-se enzimas que mantêm o equilíbrio psicofísico e bloqueiam-se toxinas prejudiciais que envenenam.


O esforço para se preservar o sentido de humor, a capacidade crítica, a busca do prazer e a própria indivi­dualidade é um desafio que deve ser aceito em favor do crescimento intelectomoral e do desenvolvimento espiri­tual, que constituem as metas da vida, e que o movimen­to ciclópico dos dias hodiemos não tem direito de entor­pecer, facultando a instalação das enfermidades que de­correm da automação, da robotização, liberando o ser para a alegria.



Texto extraído do Livro “Amor, Imbatível Amor”, psicografado por Divaldo Pereira Franco e ditado pelo espírito Joanna de Ângelis.






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